“O Debate atual sobre a Maioridade Penal ”
Eliane Pereira Lima
Psicologia – Psicanálise
CRP 06/43457
As grandes crises
comportam grandes decisões. Oportunidade! Que bom é o debate! Controvérsias...
Informações... Formação de opinião! Você
já se posicionou? Acredita que a redução é o caminho mais adequado para
garantir uma sociedade mais justa e segura? Acha que todos os adolescentes estão
ficando cada vez mais violentos e perigosos? Percebe o adolescente infrator como
um sujeito em desenvolvimento? Somente o
vê como um adolescente em conflito com a lei? Já ponderou sobre qual o efeito
real que a diminuição da idade penal pode ter na redução da criminalidade e na
melhoria da vida das pessoas? Seu filho deve ir para prisão? A medida
socioeducativa o está fazendo reparar o ato infracional? O cumprimento o está ajudando
a corrigir a rota e ter um projeto de vida? Você tem aberto a sua boca para
defender suas ideias e participar deste momento tão delicado e importante às
nossas crianças e adolescentes?
Já sabemos que a adolescência – como fase do
desenvolvimento ou como segmento social - inquieta e incomoda. Lança um desafio
ao mundo adulto que exige enfrentamento. Desacomoda-nos. Temos que nos ocupar
em solucionar o impasse do desenvolvimento: vida ou morte. O adolescente busca expressar
aquilo que não se espera e do modo que lhe é possível. Denuncia desesperadamente
que as coisas não estão indo bem. Ao mesmo tempo rompe com o papel de mudança
que dele se espera e expõe a desigualdade e a falta de perspectivas próprias da
sociedade atual. Com essas considerações, podemos entender que as atitudes de
violência dos adolescentes expressam algo que não é verbalizado. O
comportamento equivocado busca comunicar o desconforto e o sofrimento. Não
podemos considerar de forma unilateral, como algo que lhe é singular, pessoal e
esquecermos a relação, não podemos desconsiderar o contexto atual e muito menos
a nossa responsabilidade.
Assim, nossa sociedade, num ritmo frenético e
maníaco, evidencia incertezas e dúvidas. Confusão. Corrupção. Impunidade. Um
mundo que valoriza o ter ao ser, onde os valores morais, éticos estão
subjugados pelo consumismo, oportunismo, à beleza e a outros valores efêmeros. Uau!
Como isto reflete em quem está em desenvolvimento? E mais, encontramo-nos
diante de uma adolescência cada vez mais precoce. Assim, creio que a solução
para a violência e criminalidade é muito mais complexa e sofisticada. Sobretudo,
requer muitas ações, em prioridade, em nosso mundo adulto caótico em autoridade
(Autoridade é saber fazer, orientar e dar modelo). Aliás, não passa pelo massacre
de nossos jovens e crianças, principalmente, dos menos favorecidos. Precisamos
investir em adoção de medidas profiláticas no meio social, começar muito cedo,
desde o bebê. Evitar as causas... Família, Estado, Escola, Sociedade
Organizada... todos terão que fazer a diferença em prevenção.
Desde 2006, ora Americana ora SBO, trabalho com adolescentes
e famílias em cumprimento de medidas socioeducativas. Sei o quanto os casos são
individuais e o quanto cada adolescente é único. Entendo que as práticas de ato
infracional pelos jovens são sintomas. São sinais que denunciam uma demanda
afetiva que não tem encontrado lugar para elaboração. Faltam amor e frustração adequados e em
sintonia. Também, podem expressar a incredulidade quanto às instituições e ao
que o futuro reserva. Vejo muitos em pleno vir a ser. Requerem verdadeiros e
intensivos programas de acolhimento, proteção e educação que favoreçam o
crescimento, o pleno desenvolvimento e o ingresso no mundo adulto.
Infelizmente, ainda há muito previsto em lei, no discurso, no papel, mas na
prática... No entanto, a simples privação de liberdade não possui caráter
educativo, o que significa que apenas a internação não é uma medida capaz de
evitar que o adolescente pratique novas infrações.
Na adolescência a
elaboração psíquica ainda é muito frágil. O sujeito vai da situação para o ato
muito rápido. Aí vem briga na escola, a briga com a família, atos que não serão
vistos como tão problemáticos, mas também poderá ocorrer o ato infracional. No
momento em que um adolescente comete um ato infracional, seja o mais simples
que for ele tem que receber uma medida correspondente que o responsabilize.
Esta medida deve respeitar as peculiaridades dessa etapa de vida, pois a
inimputabilidade penal não significa impunidade. Ainda, mais importante é
oferecer espaços para que o adolescente se expresse e, de fato, possa elaborar informações,
limites, interdições e normas de convívio social. Nessa fase, ele também vive
um processo de desligamento da família e passa por um grupo que lhe dá certa
identidade. Se ele for mandado para uma penitenciária, que grupo será esse?
Colocar um adolescente na prisão é aborto ao desenvolvimento. Se a medida for
bem aplicada e se, em torno do adolescente, tiver um conjunto de políticas
públicas para ele e sua família, é possível diminuir em grande escala a
ocorrência de atos mais graves. O apoio emocional para o fortalecimento de suas
relações consigo mesmo, com sua família e com a sua comunidade é essencial. E
nesse sentido, é também imprescindível que se crie uma rede de apoio ao
adolescente na família e na comunidade, pois são os vínculos que contribuirão
para evitar que a reincidência aconteça. E essas medidas devem ser tomadas não
apenas com o objetivo de tornar esses adolescentes úteis e adaptados ao mundo
de fora, mas como forma de reconhecer todos os direitos inerentes à pessoa humana.
Só assim será possível assegurar as oportunidades e facilidades necessárias
para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições
de liberdade e de dignidade, de modo que passem de cidadãos de papel a cidadãos
de fato.
Os casos que
repercutem na mídia e inflamam o clamor da população diz respeito a atos de
extrema crueldade que sugeririam a existência de casos de psicopatia ou
sociopatia entre adolescentes. Quando há casos graves, violentos e hediondos,
que são minoria, a Psiquiatria não se furtou de opinar. Sabe-se que os adolescentes
que são portadores de distúrbios psiquiátricos podem beneficiar-se de
medicações, já os psicopatas são refratários à medicação. Por outro lado,
concordo que adolescentes com transtornos de personalidade com um padrão de
desconsideração e violação dos direitos dos outros não irão, em apenas três
anos, recuperar-se dessa estrutura doentia de personalidade. Estes requerem um
tratamento socioterápico de longa duração em meio apropriado. O custo alto é um
investimento pequeno diante dos resultados sociais.
Concordo que os três
anos de internação de menores com delitos graves são insuficientes para
mudanças. Há 21 anos pratico a psicologia e psicanálise. Portanto, aprendi que para mudar padrões de
conduta, de valores e levar o indivíduo a poder administrar seus impulsos
agressivos e libidinosos, bem como se conscientizar de sua capacidade de
construir e destruir relações pode-se levar mais de uma década nos casos de
sucesso terapêutico. Contudo, o próprio SINASE já prevê o que deve ser feito
nessas circunstâncias, orientando que, no caso de um adolescente apresentar
indícios de sofrimento mental, ele deverá receber tratamento de acordo com as
disposições da Lei 10.216 de 2001 (Lei de Reforma Psiquiátrica), que não
descarta a possibilidade de internação compulsória a pedido judicial.
Concluo que abrir as
portas da prisão a jovens menores de 18 anos é fechar as portas não somente
para o seu próprio desenvolvimento, mas também para o País. Há que ter
competência na contínua avaliação e saber distinguir cada psicodinâmica
individualmente. Atacar o indivíduo, desconsiderando as causas da violência e
da criminalidade, é a resposta irracional a um apelo da sociedade de caráter
mais amplo por justiça social. Chega de desigualdades marginalizadoras,
injustiça e exclusão social. A diminuição da maioridade penal pura e
simplesmente não resolverá o problema da insegurança e agravará a criminalidade.
Nesse sentido, faço coro que cabe exigir do Estado a urgente pratica das
medidas socioeducativas e o investimento em educação de qualidade, além de
medidas que eliminem as desigualdades sociais. O próprio ato infracional é,
portanto, um indicador de que o Estado, a sociedade, a escola e a família não
têm cumprido adequadamente seu dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos
da criança e do adolescente. Creio a prioridade ainda consiste na aplicação
efetiva do que está na lei. Temos urgente que estruturar o sistema socioeducativo.
Um sistema que ofereça medidas de meio aberto e medidas de meio fechado, com
infraestrutura, com recursos humanos bem dimensionados, preparados e
valorizados. E essas medidas têm que ter uma proposta pedagógica consistente.
Não adianta deixar o menino preso ou colocá-lo na liberdade assistida sem saber
aonde queremos chegar. Temos que acompanhá-lo na escola, inseri-lo em
atividades profissionalizantes, de esporte, cultura e lazer. Se investirmos
efetivamente em políticas públicas, teremos transformação.
Educação,
saúde, assistência, cultura para os nossos adolescentes! Cadeia não. Liberdade
com responsabilidade: sem dúvida alguma Deus existe!!!
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Obs: Publicado Jornal Todo Dia (04 e 05/06/2015)
http://portal.tododia.uol.com.br/_conteudo/2015/06/opiniao/77839-o-debate-sobre-a-maioridade-penal--parte-1.php
http://portal.tododia.uol.com.br/_conteudo/2015/06/opiniao/77945-o-debate-sobre-a-maioridade-penal--parte-2.php
http://portal.tododia.uol.com.br/_conteudo/2015/06/opiniao/77839-o-debate-sobre-a-maioridade-penal--parte-1.php
http://portal.tododia.uol.com.br/_conteudo/2015/06/opiniao/77945-o-debate-sobre-a-maioridade-penal--parte-2.php
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