domingo, 18 de janeiro de 2015

Para não dizer que eu não falei das flores

“Para não dizer que eu não falei das flores”

“Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua –
Vestida apenas com o teu desejo”.
                            Mario Quintana
Ouvimos muito na mídia sensacionalista sobre a violência praticada por adolescentes, mas creio ser importante contextualizar para refletir e ter uma opinião, de fato, sensata. Considerando que o processo de desenvolvimento humano é social e historicamente construído, os adolescentes devem ser percebidos na sua amplitude como membros de redes sociais constituídas por diversos segmentos. Assim, eles devem ser percebidos de forma multidimensional, em suas várias relações e meios de pertencimento, na família, na escola, no lazer, na formação profissional, enfim, em todos os ambientes nos quais tem relacionamento direto. A situação peculiar de desenvolvimento agrega valores que devem ser de inteira competência das políticas públicas setoriais, as quais devem oferecer meio e caminhos para o pleno desenvolvimento.  Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA é um marco na garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes, pois no ambiente da redemocratização política, a sociedade brasileira construiu um instrumento que garante a todas as crianças e adolescentes o reconhecimento como sujeitos de direitos. Tornam-se necessárias, entretanto, mudanças para concretizar princípios consagrados na legislação, como a garantia da absoluta prioridade a todas as crianças e adolescentes, prevista pela Constituição Federal. Aos adolescentes envolvidos com a prática de atos infracionais não é diferente. Mas, sem dúvida, há muito mais a fazer, pois o campo carrega em si as principais contradições da nossa sociedade. Ainda hoje ocorrem ameaças de retrocessos em relação aos princípios e avanços concretizados há pouco mais de 25 anos pela legislação brasileira, a exemplo das inúmeras propostas de rebaixamento da idade mínima de responsabilidade penal que tramitam no Congresso Brasileiro.
Para modificar a realidade, entretanto, temos que conhecê-la. Nestes últimos anos, muitos estudos e experiências demostraram o quanto o sistema socioeducativo ainda não incorporou nem universalizou em sua prática todos os avanços consolidados na legislação, condição que a mídia sensacionalista denuncia de forma perversa e recorrente. A população adolescente (12 a 18 anos incompletos) soma pouco mais de 20 milhões de pessoas. Menos de um adolescente em cada mil (0,094%) cumpre medidas socioeducativas. Em números absolutos, em 2011 havia 19.595 adolescentes cumprindo medida em regime fechado e 88.022, em meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida). Os dados do Levantamento Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH/PR 2012) indicam que aumentou a taxa de restrição e privação de liberdade: de 4,5% em 2010 para 10,6%, em 2011. Também cresceram os atos infracionais relacionados ao tráfico de drogas (de 7,5% em 2010 para 26,6% em 2011). Esses dados indicam, por um lado, que os principais motivos de internação estão diretamente relacionados à vulnerabilidade social a que estão expostos os adolescentes. Por outro, deixam claro que os atos cometidos não são contra vida. Ao contrário, entre 2010 e 2011, apontam a redução de atos graves contra a pessoa: homicídio (14,9% para 8,4%), latrocínio (5,5% para 1,9%), estupro (3,3% para 1,0%) e lesão corporal (2,2% para 1,3%). Paradoxalmente, o aumento da restrição e privação de liberdade para casos de baixa gravidade parece corresponder mais à utilização da internação-sanção – que daria assim uma resposta a apelos pela redução da maioridade penal que encontram repercussão na mídia – do que à realidade. Esse desvio pede uma intervenção conjunta do Sistema de Justiça e do Poder Executivo, uma vez que o uso indiscriminado da internação é contrário às medidas de proteção que a Lei Federal 12.594/2012 impõe. A socioeducação é imprescindível como política pública específica para resgatar a imensa dívida histórica da sociedade brasileira com a população adolescente (vítima principal dos altos índices de violência) e como contribuição à edificação de uma sociedade justa que zela por seus adolescentes. A Assistência Social traz em sua gênese as chamadas seguranças sociais: Acolhida, Convívio e Sobrevivência. As seguranças sociais e os direitos socioassistenciais emergem como os pilares éticos para a constituição da unidade de um sistema único de gestão no país como um todo. A Constituição Federal de 1988 caminha num sentido oposto ao das Agências Internacionais: não deve se restringir as ações ao combate à pobreza, sobretudo pela alternativa de programas de transferência de renda, existe um campo de atuação específico relacionado à extensão de serviços de atenção social. Portanto, valores materiais, como benefícios socioassistenciais, convivem com o que se denomina valores imateriais, estes traduzidos em proteções decorrentes de serviços que asseguram o convívio, o resgate da autoestima, entre outros elementos vitais que revelam a vasta dimensão e potencialidade da Assistência Social como fonte de direitos do cidadão. A PNAS/2004 estabeleceu direitos socioassistenciais na operação do SUAS a serem assegurados a seus usuários, como o atendimento digno, atencioso e respeitoso, direito à informação, à oferta qualificada de serviço, à convivência familiar e comunitária. Finalizando, justifico que sabemos que famílias apresentam demandas diferentes em cada ciclo de vida dos filhos e quando em crise precisam de ajuda especializada. Na atualidade, não estamos diante de famílias sem dificuldades e sem fracassos. Por isso mesmo passíveis de serem ajudadas em acolher seus membros, sem deixar de escutar-se enquanto instituição, com suas contradições, conflitos, podendo melhor contribuir para um equilíbrio e para o crescimento e desenvolvimento do adolescente e crianças. Também, temos eticamente a obrigação de desmistificar a mídia sensacionalista e conscientizar que as causas da violência, como as desigualdades sociais, o racismo, a concentração de renda e a dificuldade ao acesso a políticas públicas, não se resolvem com a adoção de leis penais mais severas e sim através de medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo perverso. São as políticas sociais, em particular na área da Educação – carro Chefe do atual governo - que diminuem o envolvimento dos adolescentes com a violência.  Portanto, temos que avaliar a realidade e não sermos movido pelo conflito de gerações que existe desde que o mundo é mundo, pois – humanidade - os jovens são o nosso futuro!
Referências Bibliográficas
- Jacques Delors, Educação, um tesouro a descobrir- relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (Coleção Perspectivas Actuais). Rio Tinto (Portugal): UNESCO/Asa, 1996.
- Constituição da República Federativa do Brasil – 1988.
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei 8.069 de 13 de junho de 1990.
- Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004.
- Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006.
- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional do Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda), 2006.
- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Presidência da
República Lei 12.594 de 18 de Janeiro de 2012.
- Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Estado De São Paulo. Governo Do Estado De São Paulo, 2014.
- Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013.
- Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS ANOTADA). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS, 2009.
- Política Nacional de Assistência Social - PNAS, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social, por intermédio da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, e publicada no Diário oficial da União – DOU do dia 28 de outubro de 2004.
- Sistema Único de Assistência Social – SUAS: manual informativo para jornalistas, técnicos e gestores. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010.
- CapacitaSUAS Caderno 1 - Assistência Social: Política de Direitos à Seguridade Social. Brasília: MDS, 2013.
- CapacitaSUAS Caderno 2 - Proteção de Assistência Social: Segurança de Acesso a Benefícios e Serviços de Qualidade. Brasília: MDS, 2013.
- CapacitaSUAS Caderno 3 - Vigilância Socioassistencial: Garantia do Caráter Público da Política de Assistência Social. Brasília: MDS, 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário