“Para não dizer que eu não falei das flores”
“Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua –
Vestida apenas com o teu desejo”.
Mario Quintana
Ouvimos muito na mídia sensacionalista
sobre a violência praticada por adolescentes, mas creio ser importante
contextualizar para refletir e ter uma opinião, de fato, sensata. Considerando
que o processo de desenvolvimento humano é social e historicamente construído,
os adolescentes devem ser percebidos na sua amplitude como membros de redes
sociais constituídas por diversos segmentos. Assim, eles devem ser percebidos
de forma multidimensional, em suas várias relações e meios de pertencimento, na
família, na escola, no lazer, na formação profissional, enfim, em todos os
ambientes nos quais tem relacionamento direto. A situação peculiar de
desenvolvimento agrega valores que devem ser de inteira competência das
políticas públicas setoriais, as quais devem oferecer meio e caminhos para o
pleno desenvolvimento. Portanto, o Estatuto
da Criança e do Adolescente- ECA é um marco na garantia dos direitos humanos de
crianças e adolescentes, pois no ambiente da redemocratização política, a
sociedade brasileira construiu um instrumento que garante a todas as crianças e
adolescentes o reconhecimento como sujeitos de direitos. Tornam-se necessárias,
entretanto, mudanças para concretizar princípios consagrados na legislação,
como a garantia da absoluta prioridade a todas as crianças e adolescentes,
prevista pela Constituição Federal. Aos adolescentes envolvidos com a prática
de atos infracionais não é diferente. Mas, sem dúvida, há muito mais a fazer,
pois o campo carrega em si as principais contradições da nossa sociedade. Ainda
hoje ocorrem ameaças de retrocessos em relação aos princípios e avanços
concretizados há pouco mais de 25 anos pela legislação brasileira, a exemplo
das inúmeras propostas de rebaixamento da idade mínima de responsabilidade
penal que tramitam no Congresso Brasileiro.
Para modificar a realidade,
entretanto, temos que conhecê-la. Nestes últimos anos, muitos estudos e
experiências demostraram o quanto o sistema socioeducativo ainda não incorporou
nem universalizou em sua prática todos os avanços consolidados na legislação,
condição que a mídia sensacionalista denuncia de forma perversa e recorrente. A
população adolescente (12 a 18 anos incompletos) soma pouco mais de 20 milhões
de pessoas. Menos de um adolescente em cada mil (0,094%) cumpre medidas
socioeducativas. Em números absolutos, em 2011 havia 19.595 adolescentes
cumprindo medida em regime fechado e 88.022, em meio aberto (prestação de
serviços à comunidade ou liberdade assistida). Os dados do Levantamento Anual
da Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH/PR 2012) indicam que aumentou a taxa
de restrição e privação de liberdade: de 4,5% em 2010 para 10,6%, em 2011.
Também cresceram os atos infracionais relacionados ao tráfico de drogas (de
7,5% em 2010 para 26,6% em 2011). Esses dados indicam, por um lado, que os principais motivos de internação estão
diretamente relacionados à vulnerabilidade social a que estão expostos os
adolescentes. Por outro, deixam claro que os atos
cometidos não são contra vida. Ao contrário, entre 2010 e 2011, apontam a
redução de atos graves contra a pessoa: homicídio (14,9% para 8,4%), latrocínio
(5,5% para 1,9%), estupro (3,3% para 1,0%) e lesão corporal (2,2% para 1,3%). Paradoxalmente,
o aumento da restrição e privação de liberdade para casos de baixa gravidade
parece corresponder mais à utilização da internação-sanção – que daria assim
uma resposta a apelos pela redução da maioridade penal que encontram
repercussão na mídia – do que à realidade. Esse desvio pede uma intervenção
conjunta do Sistema de Justiça e do Poder Executivo, uma vez que o uso
indiscriminado da internação é contrário às medidas de proteção que a Lei
Federal 12.594/2012 impõe. A socioeducação é imprescindível como política
pública específica para resgatar a imensa dívida histórica da sociedade
brasileira com a população adolescente (vítima principal dos altos índices de
violência) e como contribuição à edificação de uma sociedade justa que zela por
seus adolescentes. A Assistência Social traz em sua gênese as chamadas
seguranças sociais: Acolhida, Convívio e Sobrevivência. As seguranças sociais e
os direitos socioassistenciais emergem como os pilares éticos para a
constituição da unidade de um sistema único de gestão no país como um todo. A
Constituição Federal de 1988 caminha num sentido oposto ao das Agências
Internacionais: não deve se restringir as ações ao combate à pobreza, sobretudo
pela alternativa de programas de transferência de renda, existe um campo de
atuação específico relacionado à extensão de serviços de atenção social.
Portanto, valores materiais, como benefícios socioassistenciais, convivem com o
que se denomina valores imateriais, estes traduzidos em proteções decorrentes
de serviços que asseguram o convívio, o resgate da autoestima, entre outros
elementos vitais que revelam a vasta dimensão e potencialidade da Assistência
Social como fonte de direitos do cidadão. A PNAS/2004 estabeleceu direitos
socioassistenciais na operação do SUAS a serem assegurados a seus usuários,
como o atendimento digno, atencioso e respeitoso, direito à informação, à
oferta qualificada de serviço, à convivência familiar e comunitária. Finalizando,
justifico que sabemos que famílias apresentam demandas diferentes em cada ciclo
de vida dos filhos e quando em crise precisam de ajuda especializada. Na
atualidade, não estamos diante de famílias sem dificuldades e sem fracassos.
Por isso mesmo passíveis de serem ajudadas em acolher seus membros, sem deixar
de escutar-se enquanto instituição, com suas contradições, conflitos, podendo
melhor contribuir para um equilíbrio e para o crescimento e desenvolvimento do
adolescente e crianças. Também, temos eticamente a obrigação de desmistificar a
mídia sensacionalista e conscientizar que as causas da violência, como as desigualdades
sociais, o racismo, a concentração de renda e a dificuldade ao acesso a
políticas públicas, não se resolvem com a adoção de leis penais mais severas e
sim através de medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu
ciclo perverso. São as políticas sociais, em particular na área da Educação –
carro Chefe do atual governo - que diminuem o envolvimento dos adolescentes com
a violência. Portanto, temos que avaliar
a realidade e não sermos movido pelo conflito de gerações que existe desde que
o mundo é mundo, pois – humanidade - os jovens são o nosso futuro!
Referências Bibliográficas
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a descobrir- relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI (Coleção Perspectivas Actuais). Rio Tinto (Portugal):
UNESCO/Asa, 1996.
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Nacional do Direitos da Criança e do
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República Lei 12.594 de 18 de Janeiro
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- Política Nacional de Assistência
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intermédio da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, e publicada no Diário
oficial da União – DOU do dia 28 de outubro de 2004.
- Sistema Único de Assistência Social
– SUAS: manual informativo para jornalistas, técnicos e gestores. Brasília:
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010.
- CapacitaSUAS Caderno 1 -
Assistência Social: Política de Direitos à Seguridade Social. Brasília: MDS,
2013.
- CapacitaSUAS Caderno 2 - Proteção
de Assistência Social: Segurança de Acesso a Benefícios e Serviços de Qualidade.
Brasília: MDS, 2013.
- CapacitaSUAS Caderno 3 - Vigilância
Socioassistencial: Garantia do Caráter Público da Política de Assistência
Social. Brasília: MDS, 2013.
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